Velhice desamparada: O asilo da Rua Apolinário

Publicação
Alfredo Costa
Colaborador

Repórteres
José Bonfim Moraes Júnior
Luana Silva Santana

No meio da Rua Apolinário Pereira Burjack, na cidade de Aragarças (GO), o portão de grades brancas sempre aberto é um convite para uma visita ao Lar da Providência. Ao passar pelo portão e seguir a pequena estradinha asfaltada que leva até a propriedade, a primeira pessoa que se avista é o senhor Derli Duarte da Silva. Sempre sentado pelos arredores do lugar, “Seu” Derli é de poucas palavras, mas atento a tudo que acontece ao seu redor, tanto que ao perceber nossa movimentação, de longe estica o braço para mostrar seu nome no comprovante de votação de um plebiscito em 1993. De boné vermelho, óculos escuros e uma toalha de cor laranja nos ombros, “Seu” Derli passa os dias acompanhado do álbum de fotografias que carrega em uma sacolinha de plástico enrolada em sua bengala. As fotos dos tempos de juventude, dos amigos e da família se misturam a uns retratos novos tirados ali mesmo. Perguntado se gosta das lembranças, ele sorri e balança a cabeça confirmando.
   Foto - Luana Santana

Entrada do Lar da Providência


Mas são poucos os familiares dos internos que aceitam o convite para visitar o asilo e acabam por reproduzir o comportamento da sociedade que descarta os seus membros considerados “inúteis”. “Seu” Derli faz parte das 65 pessoas, entre idosos e deficientes, que moram no Lar da Providência, fundado em 1985 pelo padre holandês Johannes Alexander Tobben, mais conhecido como padre Vicente. Desde 1991, o asilo é administrado pela Congregação das Irmãs Beneditinas da Divina Providência [1]. O Lar conta com 22 funcionários, entre enfermeiros, cozinheiros e auxiliares de serviços gerais.

Verificando-se o ambiente físico em que os idosos estão inseridos, o lugar é amplo e bem cuidado, uma pequena área verde entre os corredores traz um clima agradável e por instantes faz qualquer um esquecer-se das dificuldades que rodeiam o lar e das lutas que muitos passaram para mantê-lo. Mas os idosos ficam ociosos na maior parte do tempo: não há infraestrutura para atividades ocupacionais.
    Foto - Site Irmãs Beneditinas

Corredores do Lar da Providência


A instituição é sustentada pela própria aposentadoria dos idosos: 70% do benefício de cada um vai para administração como previsto no Estatuto do Idoso. Esse valor ajuda com as despesas dos funcionários, alimentação e remédios.  Entretanto, muitos recebem uma aposentadoria menor, cerca de R$ 290, já que familiares fazem empréstimos bancários e as parcelas são descontadas do benefício.

“A real ajuda para manter o lugar vem do povo”, como afirma uma das coordenadoras do lar, Irmã Líbera Tassi. Questionada sobre a ajuda dos municípios, ela diz que muita coisa não passa de promessa. A prefeitura de Aragarças disponibiliza um médico a cada 15 dias e um dentista quando necessário. Já o município de Barra do Garças contribui com uma doação de R$ 2,5 mil por mês, por força do Projeto de Lei nº 013/2013, de autoria do Poder Executivo Municipal, que garante a doação de R$ 30 mil anuais para o Lar da Providência, divididos em pagamentos mensais. Mesmo assim o Lar não está livre das dificuldades, são muitas as necessidades dos idosos e muitas vezes as Irmãs se desdobram para atender todos.


     Foto - Site Irmãs Beneditinas

Lar da Providência


Mesmo diante de todas as dificuldades, ao ser indagada sobre os motivos que a levam a exercer um trabalho como este, Irmã Líbera, que atua há 12 anos no asilo, diz que o amor a Cristo e aos irmãos abandonados que precisam de ajuda fala mais alto. Mas não esconde as contradições. É justamente a parte do abandono que chama a atenção, tanto que ela pede “caridosamente” para que não perguntemos a eles os motivos de estarem ali, pois grande parte não recebe visita dos familiares e relembrá-los disso os deixam abatidos psicologicamente. Perderam seu papel social no âmbito familiar e são considerados um incômodo.

E esse pedido também está presente na fala dos funcionários, assim como a indignação da maioria deles: a técnica de enfermagem Débora Negreiro, por exemplo, que trabalha há nove meses no local, confirma que muitos são deixados no lar por familiares que não costumam visitá-los; alguns iludem os idosos dizendo que a instituição é hospital e que vão ficar por um curto período, mas na verdade são rejeitados. Alguns chegam a arrumar as malas esperando os filhos virem buscá-los, contam alguns empregados do estabelecimento.


     Foto - Site Irmãs Beneditinas

  Lar da Providência


Por isso é mais que o compreensível o medo que as pessoas têm da velhice. É graças à probabilidade – quase certeza -de um futuro com rugas e com doenças ocasionadas pela idade, que se deve preocupar em torná-lo mais digno e menos amedrontador.

As políticas públicas estão em falta e as existentes são insuficientes, a caridade é bonita e surge como uma luz divina para muitos, entretanto atesta as deficiências governamentais para com a terceira idade no país.

A boa impressão inicial já se desfez. Uma reflexão mostra a necessidade de repensar os modos de tratar essa faixa da população. Essa etapa da vida desse ser aproveitada e vivida com a maior dignidade possível. Mas não é o que acontece: mesmo com a boa vontade e o empenho dos profissionais da organização, vivem num mundo paralelo de isolamento social. Não há como negar: o asilo da Rua Apolinário é um exílio.


***

Reportagem realizada  na disciplina de “Técnicas de Reportagem e Entrevista”, no segundo semestre de 2013, do curso de Comunicação Social -Habilitação em Jornalismo do Campus Araguaia da Universidade Federal de Mato Grosso.